Análises

O blog Cinerd publicou dois posts sobre o 3º CurtaGrav. Vale a pena dar uma olhada aqui e ali, já que tem elogios, críticas e análises de alguns filmes da mostra.

O lugar da animação no estudo do cinema

A palestra com o professor da UFMG, Heitor Capuzzo, no último dia do 3º CurtaGrav teve como tema “O lugar da animação no estudo do cinema”.

O ponto de partida dessa conversa animada foi a distinção do cinema live action e  o cinema de animação. Segundo o professor, a história faz essa distinção. Mas o cinema é animado. A ilusão do movimento é dada por imagens paradas em uma película de vinte e quatro quadros por segundo. Mas há diferença, sim. No cinema de animação, o diretor/animador cria tudo, a partir do zero, cria o personagem, o cenário, o movimento, o mundo a partir somente de sua imaginação. Ele vai trabalhar com imagens em síntese, tornando sua visão mias complexa, porque ele desenha o mundo inteiro, brinca de Deus. Para ele, de certa forma, o cinema tradicional dialoga com a fotografia enquanto a animação dialoga com as artes plásticas.

A palavra animar vem do latim, animare = dar alma ou vida. Animar, etimologicamente significa “dar alma”. E um animador tem que fazer movimentos com personalidade própria, precisa expressar sentimentos e dialogar com as pessoas. Esse é o verdadeiro sentido da animação.

Capuzzo lembrou que a cultura visual atualmente é anterior à cultura escrita; entramos em contato com ela antes, por isso se trata de uma coisa poderosa. E a animação está nesse contexto. Dar alma é expandir os sentidos e, quando o cinema consegue fazer isso deixa de  descrever e desperta algo especial. “Sonho com um cinema que faça isso”, sublinha o professor.

Segundo o professor já estamos começando a estipular, de modo primário ainda, um diálogo com a imagem. No entanto, ressalta, antes de dominar uma linguagem é preciso conhecê-la. E é justamente isso que devemos fazer primeiro, conhecer e entender a imagem, para dominá-la.

Capuzzo considera o cinema como um conjunto de ações (direção, atores, cenografia, som, iluminação etc) e por isso é feito pra transformar, despertar emoções. Como uma forma de arte tem que ter a capacidade de sintetizar experiências que toquem profundamente a alma. E o cinema de animação tem essa capacidade.

A partir desse pensamento, o professor pergunta à platéia: Por que criar histórias que não existem, criar ficção? Por que inventar personagens  que não existiram na história da Terra? Por que, se já temos a imagem real? E por que essas histórias nos tocam tanto? E ele mesmo responde em seguida: “elas também são olhos de nossa alma”.

Por isso, ele critica um cinema que não desperta a imaginação, que já traz tudo mastigado, detalhado para o espectador. Para ele, existe um lugar do mistério, onde o espectador completa a história e a informação. Os filmes de hoje têm excesso de informação, que não dão a quem está em frente a tela a chance de pensar. Não é o desenho que informa, é o espaço em branco – a ausência da informação – que ajuda na construção da realidade, do mundo, da vida, que o telespectador irá preencher. “Eu acredito que quando nós passamos a olhar as imagens com mais pureza entendemos melhor a vida”, acrescenta.

 Para Capuzzo, o mau uso da tecnologia faz os animadores pecarem em excesso. Há um deslumbramento com as tecnologias, há uma necessidade de usar todos os recursos ao mesmo tempo. E lembra: “onde tudo é importante, nada é muito importante”. Segundo ele, nos filmes, estamos entorpecidos pela informação, onde tudo fica no pico, sem nuances. “Na animação falta tempo para a delicadeza, esse é o mau uso de que falo, a computação gráfica faz isso”. No entanto, ele não é pessimista, diz que há uma geração nova, que está pensando esse tempo em seus filmes.

E finalizou lembrando que para a animação é preciso preparar a técnica mas também o olhar.

Panorama da animação no Brasil: produção e difusão

Este foi o tema do debate do dia 29 de outubro, na programação do 3º Curtagrav. Os convidados para a mesa foram os animadores Andrés Lieban e Gabriel Menotti.

Gabriel Menotti, que generosamente aceitou o convite de última hora para, para substituir um palestrante que faltou, comentou sua experiência de animador no Espírito Santo. Ele iniciou seu trabalho com a animação em stop motion a partir de imagens feitas com câmera fotográfica. “Para mim, essa animação foi muita importante, pois descobri que era possível fazer animação sem sair de casa”. Menotti, falou da questão do autodidatismo que impera na formação doa animadores locais e nacionais. “Foi fazendo coisas pequenas que descobri as técnicas de animação; vi muito tutorial na internet”. Menotti não vê a falta de formação formal como um problema, mas admite isso faz falta, bem como faz falta uma produção local. “Quando comecei a produzir não havia referência aqui no estado de produção, como não há; e tinha muito que bater cabeça para aprender e fazer”, completa.

Gabriel Menotti lembrou que a produção local é incipiente. “No campo de animação no estado tem basicamente o projeto Animação, da Galpão Produção, atuando de forma consistente.

 

Andrés Lieban, que esteve pela primeira vez em Vitória, traçou um panorama da animação no Brasil. Segundo ele, nos últimos dois anos foram lançados quatro longas-metragem, o que é uma perspectiva promissora, uma vez que, desde o lançamento do primeiro longa-metragem de animação brasileiro, em 1953, foram feitos apenas 19 filmes. Outro ponto de otimismo é o número de filmes da categoria em festivais de cinema pelo país que cresce a cada ano.

No entanto, ele ressalta uma característica dessa produção, marcada pelo autodidatismo, o que dificulta o processo de produção. E nos espaços de educação formal, prevalece a base de currículos de outros países. Lieban destacou uma característica própria dos cursos daqui, que formam diretores de animação, diferente do que acontece em outros países, que forma o profissional para o mercado, que pode ser como técnico de som, animador etc.

Para ele, o mercado brasileiro de animação é basicamente para a publicidade. Mas, hoje, um conteúdo não publicitário (conteúdo com idéia do autor, patrimônio nacional) de produção começa a despertar interesse. A animação cada vez mais, principalmente nos últimos cinco anos, é vista como um caminho para trilhar a autosustentabilidade do cinema nacional. Após dez anos da Lei do Audiovisual, a avaliação é que o cinema não consegue buscar recursos próprios. Ele é mantido em quase sua totalidade com recursos públicos. E segundo essa avaliação, o cinema deve buscar essa fonte de recursos fora da esfera governamental. O cinema não dá retorno e não há preocupação dos produtores com isso. E a animação abre essa possibilidade por ser um cinema mais barato, por possuir um público mais abrangente – apesar de ser predominantemente infantil, animação é pensada cada vez mais como uma programa para a família –, por ser um produto mais exportável, por não ter tanto um vínculo regional, pois possui uma linguagem mais icnográfica, mais universal. E ainda, tem o viés comercial do licenciamento. Muitas vezes, associar o filme a outros produtos pode ter uma receita mais significativa do que a audiência. Investir em animação torna-se assim, menos arriscado.

Lieban lembrou da importância de eventos como o 3º CurtaGrav, como espaços propícios para que as pessoas conheçam obras, se reconheçam e conversem sobre a produção e difusão dos produtos da animação. Destacou ainda o papel da organização dos profissionais. E citou a ABCA (Associação Brasileira de Cinema de Animação), que concatenou os interesses dos animadores, o que resultou em conquistas para a categoria.

Apesar de colocar a questão do mercado como ponto fundamental para o desenvolvimento da animação brasileira, Lieban fez questão de lembrar que é tão importante quanto, incentivar a produção de curtas, porque esse é um cinema de autor, espaço para a experimentação, que alimenta a criatividade.

O CurtaGrav na imprensa

Para ler, basta clicar.

Também foram publicadas matérias no jornal Notícia Agora, no Informa da Ufes, e também nos seguintes sites: Overmundo, Festival REC, Século DiárioIU e também em inúmeros blogs. Nas emissoras de TV, o evento foi matéria na TVE, TV Assembléia, Rede Gazeta, TV Tribuna, TV Capixaba e TV Faesa.

O encerramento do 3º CurtaGrav

o 3º CurtaGrav, Mostra e Seminário de Animação chegou ao fim nesta quinta. Às 19h, o professor da UFMG Heitor Capuzzo falou para quase 70 pessoas no Cine Metrópolis. Na ocasião ele mostrou  trechos de filmes, além de comentar sobre como a academia trata a animação. Logo em seguida, às 21h, o evento exibiu diversos curtas internacionais! Confira abaixo algumas fotos. Em breve, mais resumos dos debates! E antes de dar tchau, queríamos agradecer novamente o apoio do Instituto Marlin Azul e de todos que ajudaram de alguma forma, e principalmente ao Gabriel Menotti, que, mesmo chamado de última hora (literalmente), aceitou participar do debate de quarta.

Cobertura do debate Panorama de Animação no Brasil

o jornal Século Diário cobriu o debate que reuniu os animadores Gabriel Menotti e Andrés Lieban na noite de quarta. O encontro deu-se no Cine Metrópolis, na Ufes. Para ler é só clicar aqui.

Também já é possível fazer o download de todo o conteúdo da publicação lançada durante o 3º CurtaGrav. Clique aqui ou em Artigos e Ensaios, ali no alto.

Cobertura do segundo dia da retrospectiva do Vitória Cine Vídeo

O público compareceu em bom número ao meio-dia desta quinta-feira para a segunda sessão das restropectivas das animações do Vitória Cine Vídeo. A exibição foi no CIne Metrópolis, na Ufes, em Vitória. Amanhã a gente publica as fotos do debate de hoje e da sessão dos curtas internacionais.

Para ver as fotos em tamanho maior é só clicar nelas.

2º dia da mostra Curta Grav, Seminário de animação

A quarta-feira (29) começou cedo com a mostra de animação. Pela manhã, cerca de 40 pessoas passaram pela oficina ministrada pelo diretor Andrés Lieban, no Cemuni 5, na Ufes. Logo em seguida, o público se dirigiu para o Cine Metrópolis para conferir a retrospectiva do Vitória Cine Vídeo. À tarde, mais aula com Andrés Lieban, num total de cerca de 60 alunos. O evento foi encerrado à noite, quando Andrés Lieban e o diretor Gabriel Menotti falaram para cerca de 80 pessoas no Cine Metrópolis, no debate sobre produção e difusão de animação no Brasil. Logo em seguida, o público lotou o cinema para conferir a mostra “O Melhor de Norman McLaren”. Hoje tem mais!

Cobertura do primeiro dia do 3º Curta Grav, mostra de animação

Confira as fotos do primeiro dia do 3º Curta Grav, que rolou nesta terça, no Cine Metrópolis. O cinema da Ufes ficou lotado, com quase 300 pessoas que conferiram duas horas de animações do programa do Dia Internacional da Animação!

a graça do cartaz

A fila andando

os primeiros da sessão

o catálogo da mostra

o catálogo da mostra

paula revisando o texto de abertura

paula revisando o texto de abertura

a capa do catálogo

a capa do catálogo

Lieban e sua centésima entrevista

a fila antes da sessão

Maria Ines e sua bilionésima entrevista

Mostra homenageia Norman Mclaren, um gênio da animação

O 3º CurtaGrav traz a Vitória, no dia 29/10, a retrospectiva da obra do mestre da animação Norman McLaren. A mostra conta com onze filmes, nos quais podem ser observados os diferentes aspectos técnicos e temáticos do cineasta.

Norman McLaren nasceu em Stirling, na Escócia, em 11 de abril de 1914 (faleceu em Montreal, no Canadá, em 27 de janeiro de 1987). Apesar de não ser muito conhecido pelo grande público, foi um animador que explorou muitas das infinitas possibilidades no campo da animação. Era famoso por desenhar e riscar no celulóide, construindo o “filme direto”. Abriu caminho na técnica chamada pixilation, na qual atores e objetos são filmados quadro a quadro e transformados em marionetes. Explorou a relação entre música e movimento, até mesmo desenhando diretamente na banda sonora, sendo um dos precursores do som sintético Utilizou a técnica de imagens múltiplas que se desdobram e também trabalhou com animações de recortes.

 

      

     Blinkity Blank” 1955,                      Pas de deux, 1968                                         Synchromy / Synchromie1971

Confira os filmes da mostra:

CLÁSSICOS DE NORMAN MCLAREN – PROGRAMA DA NATIONAL FILM BOARD – CONSULADO DO CANADÁ – 29/10 – 21h

1. “Norman McLaren’s Opening Speech / Discours de bienvenue de Norman McLaren” – Canadá, 1961, 7min.

2. “Stars and Stripes / Étoiles et bandes” – Estados Unidos, 1940, 2min

3. “Hen Hop” – Canadá, 1942, 4min

4. “Begone Dull Care / Caprice en couleurs” co-dirigido por Evelyn Lambart – Canadá, 1949, 8min

5. “A Chairy Tale / Il était une chaise” co-dirigido por Claude Jutra – Canadá, 1957, 10min

6. “Lines Horizontal / Lignes horizontales”, co-dirigido por E. Lambart – Canadá, 1962, 6min

7. “Blinkity Blank” – Canadá, 1955, 5min

8. “Le merle” – Canadá, 1958, 4min

9. “Neighbours / Voisins” – Canadá, 1952, 8min

10. “Synchromy / Synchromie” – Canadá, 1971, 8min

11. “Pas de deux” – Canadá, 1968, 13min

Le merle, 1958

Norman McLaren e o National Film Board of Canada.

 

 

Paulo Ricardo de Almeida

 

Em Pas de Deux (1968), as imagens dos bailarinos se sobrepõem, multiplicam-se e entrecruzam-se na perfeita sincronia da música, que destaca a complexidade dos movimentos executados, em câmera lenta, pelos corpos sobre o fundo negro (as cenas foram re-fotografadas e superpostas diversas vezes, para gerar o efeito estroboscópico que se pretendia). Em Narcissus (1983), o trágico herói mitológico se apaixona pelo próprio reflexo, com quem dança após vê-lo duplicado na tela – somente para terminar prisioneiro da ilusão visual. Tanto em Pas de Deux, quanto em Narcissus, Norman McLaren personificou a importância do balé para sua filmografia, a qual usou técnicas inovadoras de animação (pixilation, pintura diretamente sobre película de 35mm) a fim de unir movimento, variações imagéticas contínuas – mudanças de formas, texturas, backgrounds, cores, luzes – e tempo (sobretudo através da organização pelos compassos, ritmos, harmonias e melodias musicais).

 

Norman McLaren nasceu em Stirling, na Escócia, em 11 de abril de 1914 (faleceu em Montreal, no Canadá, em 27 de janeiro de 1987). Formou-se em design na Glasgow School of Art, onde realizou seu primeiro filme: Seven Till Five (1933) que, sob a influência de Sergei Eisenstein e do formalismo russo, mostra um dia completo na vida dos estudantes na escola de arte. Com a iminente eclosão da Segunda Guerra Mundial, o cineasta migra para os Estados Unidos, fixando-se em Long Island. Em homenagem ao país adotivo, filmou Stars and Stripes (1939) com desenhos sobre película e baseado na música homônima de John Philip Sousa, para logo depois, agora ao som de O Carnaval dos Animais, de Camille Saint-Säens, concluir Spook Sport (1940) – obra que, nos créditos iniciais, o diretor chama explicitamente de “filme-balé”. – em que utilizou e aperfeiçoou a mesma técnica do curta-metragem precedente. No entanto, ainda na Grã-Bretanha, McLaren já experimentara com pintura em tinta diretamente sobre película de 35mm (já que, no início, não possuía câmera), não apenas no frame da imagem, como também no espaço da própria faixa sonora: Scherzo (1933/34), perdido ao longo de décadas e reencontrado em 1984, apresenta bolas, traços e triângulos que surgem e estouram na tela em cacofonia rítmica de sons. Quando recebeu o convite do documentarista e compatriota John Grierson, Norman McLaren se mudou para o Canadá e, em 1941, fundou o departamento de animação do National Film Board (Office National du Film, em francês).

 

Em 1938, o governo canadense pediu a John Grierson para que esquadrinhasse a Canadian Government Motion Picture Bureau, produtora cinematográfica sob responsabilidade do Estado. As sugestões de Grierson resultaram no National Film Act de 1939, bem como no estabelecimento do National Film Board (NFB), agência governamental encarregada da produção e da distribuição pública de filmes. O National Film Board se divide sobretudo entre documentários, animações (mais de doze mil obras e de cinco mil prêmios) e fotografias still, e possui como atividades principais: criar programas que reflitam a dualidade lingüística e a diversidade cultural do Canadá, criar programas de filmes e de trabalhos audiovisuais com temas relevantes para o público em geral ou para audiências específicas, apoiar projetos inovadores e experimentais em mídias novas e interativas e explorar a herança audiovisual do National Film Board. Em virtude de suas obras pioneiras, Norman McLaren conferiu prestígio ao departamento de animação que fundou no National Film Board, além de treinar a primeira geração de animadores canadenses, estabelecer parcerias com os mercados dos EUA, do México e do Brasil, entre outros, e trabalhar para a UNESCO nas décadas de 50 e 60 a fim de levar a técnica do filme animado à China e à Índia. Os cinco curtas-metragens da série Animated Motion (1976-78), por exemplo, não apenas revelaram o compromisso pedagógico do cineasta, como também exaltaram a crença de McLaren no movimento, nas transformações da imagem e na primazia absoluta do tempo, o qual decorre principalmente da música.

 

Paralelamente ao trabalho pedagógico e executivo à frente do National Film Board, Norman McLaren realizou seus próprios curtas-metragens. Neighbours (1952), obra mais conhecida e polêmica de diretor – Oscar de melhor curta-metragem documentário –, explora a técnica de pixilation, na qual se fotografam personagens humanos e objetos quadro a quadro, em variação do stop-motion. Norman McLaren a utilizou pela primeira vez em Camera Makes Whoopee (1935), quando encenou o baile da escola de artes e as sensações que o evento produziu sobre os alunos. Em Neighbours (que o cineasta idealizou após visita à China comunista e da irrupção da Guerra da Coréia), dois vizinhos entram em conflito quando uma flor nasce na divisa do terreno ainda comum a ambos – a posse e a propriedade, que se materializam na cerca que separa os personagens, levam a civilização à violência, à morte, à selvageria, à barbárie e ao caos. A célula estruturante da sociedade burguesa – a família – não escapa da alegoria moral de McLaren, pois a crítica ao capitalismo ganha ainda mais ressonância quando esposas e filhos são mortos pelos vizinhos enfurecidos. Se Neighbours se baseou na alegoria, A Chairy Tale não renegou sua ligação com os contos-de-fadas, já presente desde o título: Norman McLaren explorou novamente o pixilation na dança ritualística que homem e cadeira executam um em torno do outro, verdadeiro balé de movimentos, coordenados a partir da música de Ravi Shankar. Em jogo, o medo da cadeira em permitir que o homem se sentasse – e a capacidade do homem em entender os sentimentos da cadeira, ao sair de si e assumir o papel do objeto.

 

Lines: Horizontal (1962), Mosaic (1965) e Symchromy (1971) representaram o ápice da união entre movimento, imagem e música no cinema de Norman McLaren. Nos três curtas-metragens, os quais abusam do rigor formalista que acompanha o diretor desde Seven Till Five, os movimentos nascem da energia potencial que pré-existe na imagem – a linha horizontal parada em Lines: Horizontal, a esfera abandonada pelo homem em Mosaic e a própria faixa sonora do negativo em Symchromy. As músicas, por sua vez, provocam a divisão e a multiplicação das formas abstratas que compõem as imagens, bem como as variações dos movimentos, das cores, das luzes e dos sons. Como o pêndulo que, depois de transformar a energia potencial armazenada em energia cinética, volta ao repousa, assim também as imagens múltiplas inventadas pelo cineasta retornam à configuração anterior – unívoca e estática. Em Pas de Deux e em Narcissus, as trilhas sonoras de Maurice Blackburn (parceiro habitual de McLaren) precipitam os personagens rumo à dança, empurram-nos para o movimento, de modo que eles ganham vida apenas durante o tempo da música. Sintomático que a bailarina de Pas de Deux emirja das trevas em posição fetal, como se nascesse no momento em que se inicia o fade in e a câmera a enquadra: nada subsiste para fora da técnica de Norman McLaren. Antes ou depois do filme, há somente o vazio e a morte.

 

Para finalizar, Le Merle (1958), que se baseia em canção popular e nonsense do Québec, na qual a ave perde uma parte de seu corpo para, em seguida, vê-la triplicada. Como em Mosaic, Lines: Horizontal, Symchromy, Pas de Deux ou Narcissus, a música engendra e determina a narrativa – de fato, os movimentos e as imagens servem quase que somente para ilustrar a canção. Embora Le Merle construa personagem figurativo (o pássaro, bastante humanizado), a figuração do todo se dá através de elementos geométricos abstratos: círculos, quadrados, triângulos, retas e curvas que, ao se multiplicarem, criam formas novas, inusitadas e surpreendentes, capazes de reconfigurar o espaço mesmo que as cercam – assim como o cinema de Norman McLaren.